domingo, 5 de outubro de 2008

um conto

Havia ali uma criança que sentia estar parada. Mas podia ela ter essa sensação já que estamos todos e todas em movimento, afinal nosso chão é a mãe Terra, não?

Sim, ela tinha certeza, imóvel estava. Aprendeu vendo aqueles e aquelas diferentes de si que era assim sua condição naquele momento. Se as outras e os outros corriam, pulavam, andavam em passos largos imitando avestruzes, se engatinhavam como os bebês fazem, tudo isso era diferente de como estava, e por isso entendia estar parada.

Movimento havia em seus olhos, profundos no buscar algo que não encontrava.

Veio uma borboleta e a fascinou. Levantou o braço que estava mais perto para servir de repouso para ela e assim, ter a criança uma vista duradoura enquanto fosse o descanso daquela. O encanto fiel não deve ter sido convidativo o suficiente para aquela beleza de asas que procuraram sossego em outro lugar. A nossa pequena não soube, apenas fez o seu juízo, mas o que realmente aquele inseto queria era sombra e daí o desinteresse pelo porto oferecido.

O sol ardia, provocava um ar seco e este inspirado parecia trazer farelo, areia. Nossa precoce heroina tinha esse incômodo e esperava que uma brisa úmida pudesse vir. Esta chegou, mas muito depois.

Bateu antes saudade. Quis um sorvete, como o que se deliciou uma vez. O sabor na memória era realmente prazeroso, mais até do que foi quando obtido. Aquela lembrança era de lambuzar, de fechar os olhinhos com força e de fazer surgir um completo sorriso no rosto, e no peito. Mas de repente essa alegria momentânea se esvaiu em um sopro forte, como aquele que damos quando queremos apagar as velas de um bolo, e veio o medo.

E se ela não tivesse tal experiência com outro sorvete de novo? Como poderia saber e evitar que viesse a tristeza com algo não igual ao que já teve uma vez, e que com certeza foi a melhor. Seus ombros murcharam e a cabeça pesou, inclinando-se para baixo. Foi aí que percebeu estar com um de seus sapatos com os cadarços desamarrados, abaixou-se para dar o laço e fez uma pausa.

Se estava parada, não carecia da segurança de amarrá-los, poderia deixar como estava. Mas ocorreu-lhe que seria mais bonito se o fizesse-se, pois assim aqueles que estavam largados como macarrão que passou do ponto, se abraçariam durante o ato e firmariam esse envolvimento com um nó bem dado. E esse gesto foi realizado, trazendo agora outra emoção para a criança.

Importante para nós, contar que durante esse ato de carinho com o seu calçado, em uma posição não muito segura, ela perdeu o equilíbrio e caiu e tão rápido retornou a sua posição para finalizar o que havia começado. Sequer foi cogitado, enquanto estava no chão, em ficar ali.

Em certo momento a alta temperatura estabeleceu habitação como a maior preocupação nos pensamentos da criança. Rapidamente o calor perdeu sua função de inquilino, uma nova e grande idéia foi recebida. Ela veio na companhia de um balão que vinha na direção da protagonista dessa estória.

Era de um vermelho intenso, brilhava de maneira única e viva, provocando um olhar gravemente apaixonado em sua direção. E ficava cada vez mais próximo, sendo que em determinado ponto foi possível perceber um cordão dourado amarrado nele, dava o efeito de uma calda de noiva, agregando um charme singelo ao já atraente objeto de formato oval.

Quando veio para perto, o esperado aconteceu. A criança segurou, sem amarrar-lhe, o balão pelo seu fio e deu o primeiro passo em direção de um novo rumo a ser trilhado por ela.

Assim foi desfeita aquela imobilidade narrada no início, sendo agora um fluxo particular, aberto a sorvetes com a possibilidade do que eles puderem oferecer e a borboletas que queiram um lugar calmo para descansar as asas, sendo elas merecedoras de admiração ou não.